Festivus

Esta é uma história de um insight sobre a natureza humana.

Era época de Natal, e uma comentarista da televisão conservadora dos EUA (FOX News) reclamava, irada. Ela tinha ido em um shopping center, com seus filhos, para comprar os presentes, e viu uma propaganda que dizia “Feliz Festivus”.

Ela estava furiosa: “Como assim? Agora tenho que explicar para os meus filhos o que é Festivus? Onde está minha liberdade?”

Festivus é uma paródia absurdista do Natal criada no seriado Seinfield, onde a árvore é trocada por um poste de alumínio e as pessoas não trocam presentes, mas queixas e acusações (uma forma mais direta do dia do perdão judaico). A festa acaba só quando alguém vencer o dono da casa em uma luta livre. A ideia era ser um anti-Natal, uma crítica ao excessivo consumo da data.

Claro, bastava ela dizer para os filhos que era tudo uma brincadeira, mas talvez seja exatamente isso que a incomodou: ter que dizer que alguém fez uma piada com uma festa que, para ela, deveria ser sagrada (inquestionável). E nisso ela reclamava um dos direitos mais fundamentais para o ser humano: liberdade.

Liberdade. O que essa palavra realmente significa? Temos uma infeliz tendência de vê-la por uma ótica muito egocêntrica. Ela é a vida sem incômodos, sem medo, sem ofensas, sem ultraje. Liberdade seria a ausência de atritos. Note: estamos falando de atritos, não de desafios.

Uma sociedade livre, nesse caso, é uma sociedade harmoniosa. Nela, eu posso falar o que eu quiser, porque nada do que eu penso irá ofender outros. Eu posso ir a qualquer lugar, conversar com qualquer um, sem também jamais se me ofender, nada do que vou ver ou ouvir será inesperado. Não há nada que me desafie senão o próprio desafio, esse sendo algo que requer um custo em trabalho e esforço e que pode dar errado. Nos outros casos, todos se movem como em uma dança, sem jamais se esbarrar.

Se essa é uma definição pessoal, nela há uma tendência de ela se basear naquilo que eu acredito pessoalmente. Voltando ao exemplo, o sagrado era o Natal, não o Festivus. A comentarista não estava falando que o Natal é uma festa consumista, e que todos deveriam saber disso, mas estava reclamando de um questionamento que apareceu em seu campo de visão.

A liberdade como ausência de atritos é uma premissa até certo ponto totalitária: quero que o mundo seja harmônico a mim (afinal, o eu sempre será a sua própria medida).

Atritos, estas dissonâncias entre o eu e o mundo que nos exigem trabalho e recursos, não deveriam ser vistos como a ameaça à condição de liberdade… Para isso, a premissa seria uma de que o mundo deve ser harmônico a mim. Imagine como seria se sempre pudéssemos falar o que pensamos, sem o menor medo de consequências? Seria viver imerso em um cinismo puro.

Mas essa análise mantém a questão. Entre o eu e o dissonante, no atrito, há um jogo de poder, de custo. Quem deve se dobrar? Quem deve se modificar? Para quem responde imediatamente o outro, mesmo o menor dos questionamentos se tornará uma terrível ameaça à sua liberdade. Para os outros, um peso recai sobre suas costas: Liberdade é cansativa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *