Para Além dos Feeds?

Este é o primeiro post aqui do Terra Cinza, um blog sobre aquelas coisas que fazem o meu cérebro coçar (e espero que façam o seu também).

Já faz mas de uma década desde que o Facebook foi fundado. Esse ápice da web 2.0 deu as formas das redes sociais modernas e tornou o ciberespaço parte da vida de bilhões de pessoas. Foram (infelizmente) as corporações que popularizaram a internet, e hoje as corporações da internet são o centro da nossa sociedade da informação.

Há algo de estranho aqui. Vejo isso refletido em meus amigos e conhecidos. Bom, talvez veja isso só meu, mas eu não consigo me sentir bem com este Grande Irmão me vigiando. Não é só a sua onipresença vigilante que me dá nos nervos, os ads que me perseguem entre as páginas. É algo mais. É quase como se estivéssemos em um mundo diferente.

As terras virgens do triássico, por Knipe, 1912 – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Evolution_in_the_past_(Plate_13)_(7724859992).jpg

Eu não recebi convite para o último casamento que fui, eu nem teria sido convidado se não estivesse na rede. Vivo conectado em vários jornais e não consigo saber quando vai ter corrida beneficente na minha cidade, ou qual entidade organiza o almoço para moradores de rua no domingo. Estranhamente, sei onde o Caetano Veloso estacionou seu carro. Anos depois do feito, recebi memes e vídeos relembrando o fato.

A grande mídia (esse bicho-papão) aprendeu, há muitas décadas, como transformar um acontecimento em um fato, como transformar uma narrativa em um episódio, como tornar imediato o que é distante e importante o que não nos afeta.

Mas as redes fazem com que nossas vidas se centrem em um feed, estamos numa competição pela atenção. O feed scrolla*, desce sozinho, organiza a sua linha me faz esquecer, me faz prestar atenção. Ele agrega informações, seleciona comentários, tenta me chocar e me prender. Eu só posso observar sua ação invisível, o poder do algoritmo. É uma gestão da relevância.

Foucault ficaria abismado. Seu texto “Vigiar e Punir” explora como revolução nas leis e nos costumes que surgiram no início da Idade Contemporânea mudou a forma do poder sobre a sociedade. Se antes os governantes exerciam e afirmavam sua soberania com a violência, fazendo a execução e a tortura uma espécie de espetáculo (com uma perturbadora aceitação do próprio povo), eles acabaram por adotar uma ferramenta mais eficaz, as disciplinas, o uso das instituições para modificar o comportamento. De um poder pelo “fazer morrer”, passava-se para o poder pelo “fazer viver”. Um retrato destas formas está nos livros 1984 e em Admirável Mundo Novo, onde os protagonistas convivem com sociedades de controle.

Mas disciplina não parece ser mais a palavra para o poder no século XXI. Enquanto não consigo nem imaginar sua forma, chuto os seus sintomas.

Comecei a pensar nesta página quando resolvi buscar algumas informações velhas no meu facebook. Vi quanta coisa estava enterrada por baixo de post após post, recuperáveis apenas para alguém muito interessado em ver minha história. Eu não tinha como organizar aquele material, como categorizá-lo, ordená-lo e recuperá-lo. Clicar no botão de publicar é jogar seu texto em uma máquina, só se pode torcer para que ele tenha algum impacto na hora.

Então, seu eu gostaria de escrever mais e publicar algumas ideias, haveria como produzir algo para além de um feed de notícias? Bom, vou tentar começar por aqui, um ambiente que eu tenho um pouco de controle.

Ainda não tenho uma forma definitiva para esta página. Estou pensando em textos, como organizá-los, que tipo de conteúdo virá. Por enquanto, espere um pouco de tudo. Posts sobre ciência, filosofia, história, filmes, quadrinhos, jogos, política e crítica, textos um pouco mais longos, para aquela leitura em casa. Visite, espero ter pelo menos um post novo por mês aqui.

E como acompanhar? O RSS já está aí, apesar do Terra Cinza ainda não ter uma página no facebook nem twitter, eventualmente chegaremos lá (grita o revolucionário do sofá: Vamos tomar para nós o poder dos feeds! :P).

*neologismos horríveis, já aviso que uso e abuso deles