A Onda para Casa, ou O que Aprendi com a Terceira Onda

Ron Jones

A Terceira Onda foi uma experiência educativa realizada no ano de 1967 como uma exploração da mentalidade nazista. Após cinco dias, ela teve que ser dramaticamente encerrada. Este é o relato original do prof. Ron Jones, publicado em 1976.

(c) Copyright 1976 & 2014 por Ron Jones. Todos direitos reservados.

Contato com o autor pode ser feito pelos sites www.ronjoneswriter.com e www.thewavehome.com.

Traduzido com permissão para distribuição digital gratuita em português.
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Índice:

A Terceira Onda

Força pela Disciplina

Força pela Comunidade

Força pela Ação

Força pelo Orgulho

Força pela Compreensão

A Terceira Onda

Por anos eu mantive um estranho segredo. Um silêncio que dividi com duzentos alunos. Ontem encontrei um deles. Por breve momento, vivemos tudo aquilo de novo.

Steve C. foi um aluno do meu curso de História Mundial para o segundo ano. Nos encontramos quase que por acidente. Foi uma daquelas situações que os professores vivem quando menos esperam. Você está descendo pela rua, depois de ter comido em um restaurante isolado, ou talvez de saindo de uma loja de roupas, quando, do nada, um ex-aluno aparece e te diz oi. Era esse o caso, e Steve vinha correndo pela rua gritando

– “Sr. Jone, sr. Jones”.

Nos cumprimentamos em um tímido abraço, tive que parar por um minuto para lembrar. Quem era esse jovem me abraçando? Ele me chama de Sr. Jones, então deve ser um ex-aluno. Qual era o seu nome? Naquele meio segundo em que minha cabeça voltava no tempo, Steve viu a dúvida em meu rosto e deu um passo para trás. Então sorriu e lentamente levantou a mão em uma posição de concha. Deus, ele é um membro da Terceira Onda! É Steve, Steve C. Sentava na segunda fila, era um aluno brilhante e empático. Tocava guitarra e gostava de teatro.

Ficamos, por um momento, estáticos, com um sorriso no rosto. Sem pensar, eu levantei a minha mão na posição da concha. A saudação foi feita. Dois camaradas se encontravam, anos depois da guerra. A Terceira Onda continuava viva.

– “Sr. Jones, você se lembra da Terceira Onda?!”

Claro que eu lembrava, foi um dos momentos mais aterrorizantes que eu já vivi numa sala de aula. Foi a gênese desse segredo que eu e outros duzentos alunos carregaríamos pelo resto de nossas vidas.

Por algumas horas, rimos e conversamos, até que chegou a hora de partir. É estranho, você encontra, por acaso, um ex-aluno, revive alguns momentos da sua vida. Sente-os nos seus detalhes. E daí dá adeus. Sem saber quando e se vocês se verão de novo. Ah, vocês fazem promessas de se ligar, mas isso não vai acontecer. Steve vai continuar a crescer e mudar. Eu continuarei aquela marca em sua vida. uma presença imutável. Eu, o eterno Sr. Jones.

Steve vira e faz a saudação. Sua mão erguida com a forma de uma onda quebrando. Com a mão curvada da mesma forma, eu retorno o gesto.

A Terceira Onda. Pelo menos é algo do que posso falar. Eu encontrei um aluno e nós conversamos por horas sobre esse pesadelo. O segredo finalmente está se esvaindo. Demorou três anos. Hoje, posso contar a você, a qualquer, um sobre a Terceira Onda. É apenas um sonho, algo a se lembrar, não, algo que tentamos esquecer.

E foi assim que tudo começou. Por uma estranha coincidência, acho que foi Steve quem lançou a pergunta que começou a Terceira Onda. Era uma turma do segundo ano, estávamos estudando a Alemanha Nazista e, no meio de uma explicação, fui interrompido:

-“Como população alemã pode dizer que não sabia do massacre do povo judeu? Como as pessoas das cidades, os condutores de trens, os professores, os doutores, dizerem que não sabiam nada sobre os campos de concentração e o massacre? Como as pessoas que eram vizinhos, e talvez amigos, dos cidadãos judeus podiam dizer que não estavam lá quando aquilo aconteceu”.

Era uma boa questão e eu não sabia a resposta.

Como eu já estava falando sobre a Segunda Guerra Mundial, e ainda tínhamos muitos meses de aula, decidi separar uma semana e explorar a questão.

Força pela Disciplina

Na segunda-feira, eu apresentei aos alunos uma das experiências que caracterizaram a Alemanha Nazista. Disciplina. Eu falei sobre a beleza da disciplina. Como um atleta se sente ao alcançar sucesso pelo treino duro e regular. Como uma dançarina de balé, ou um pintor, trabalha para dominar um único movimento. A paciência e dedicação de um cientista em busca de uma ideia. Disciplina. Aquele treino de si. Controle. A força de vontade. Uma troca, o sofrimento físico pelas faculdades físicas e mentais superiores. O triunfo final.

Para experimentar o poder da disciplina, eu sugeri, melhor, mandei a classe usar uma nova postura para se sentar. Eu lhes disse que uma postura adequada ajudaria a concentração e fortaleceria a vontade. Instruí a classe nessa nova forma de se sentar. Essa postura começava com os pés planos sobre o chão, mãos sobre a região lombar para forçar uma coluna ereta.

– “Vocês conseguem respirar com muita mais facilidade, não? Estão mais alertas. Não se sentem melhor?”

Nós praticamos várias vezes essa nova posição de atenção. Eu caminhava pelas filas de estudantes sentados apontando pequenas falhas, sugerindo melhorias. Sentar direito se tornou o mais importante aspecto da aprendizagem. Eu deixava a turma sair de suas classes para abruptamente chamá-los para a Posição Sentada de Atenção. Fizemos exercícios de velocidade e a turma aprendeu a se mover de uma posição em pé para a Posição Sentada de Atenção em quinze segundos. Em exercícios de atenção, eu os fazia se concentrar na posição de seus pés, paralelos e planos, nos seus tornozelos retos, joelhos dobrados em noventa graus, nas mãos planas, cruzadas nas costas, na coluna ereta, no queixo para baixo, na cabeça para frente. Fizemos exercícios de barulho durante os quais falar era permitido apenas para mostrar como era uma distração. Nos minutos seguintes de prática, a turma aprendeu a assumir suas posições nas mesas sem fazer o menor barulho, em apenas cinco segundos.

Era estranho como os alunos se adequavam rapidamente a esta uniformidade, a este código de conduta. Comecei a me perguntar até onde poderia levá-los. Será que essa era uma demonstração de obediência momentária, só brincadeira, ou tem alguma outra coisa? Será que o desejo pela disciplina e uniformidade é uma necessidade natural? Um instinto social que escondemos nas franquias de restaurante e na programação da televisão?

Eu decidi testar a tolerância da classe para aquela ação regimentada. Nos últimos vinte e cinco minutos da aula eu criei algumas novas regras. Alunos deveriam estar na sala, sentados na posição de atenção, antes do segundo sinal. Todos os alunos deveriam ter papel e lápis para anotações. Ao perguntar ou responder uma questão, o aluno deveria ficar de pé do lado de sua mesa. As primeiras palavras de qualquer pergunta ou resposta deveriam ser “Sr. Jones”.

Praticamos pequenas sessões de “leitura silenciosa”. Alunos que respondiam de forma morosa eram repreendidos e tinham que repetir sua resposta até o fazerem num modelo de pontualidade e respeito. A intensidade da resposta era mais importante que o seu conteúdo. Para relevar isso, pedi que qualquer resposta fosse dada em três palavras ou menos. Eles eram parabenizados por mostrar esforço ao responder ou perguntar. Eles também eram recompensados por fazer isso de uma maneira vívida e atenta. Logo todos na classe começaram a fazer perguntas e a responder. O envolvimento da turma não se resumia mais a uns poucos discutindo, todos começaram a participar. Mais estranho ainda era a melhoria gradual da qualidade das respostas. Todos pareciam ouvir mais atentamente. Novas pessoas perguntavam. Aqueles que normalmente hesitavam em falar encontravam apoio para seus esforços.

Quanto a mim, só tinha questões sobre o exercício. Por que eu não tinha pensado nisso antes? Os alunos pareciam interessados na aula e recitavam fatos e conceitos com precisão. Eles até pareciam fazer perguntas melhores e se tratavam com mais compaixão. Como podia ser? Estávamos encenando um ambiente de aprendizagem autoritário e tudo parecia muito produtivo. Eu comecei a me perguntar até onde poderíamos levar esse exercício, e a questionar as minhas crenças mais básicas sobre salas de aula aberta e aprendizagem auto-dirigida. Será que a minha inspiração em Carl Rogers ia murchar e morrer? Aonde essa experiência nos levaria?

Força pela Comunidade

Terça-feira, o segundo dia do exercício. Entrei na sala de aula e encontrei a turma sentada, em silêncio, mantendo a Posição de Atenção. Alguns tinham a face relaxada, com aquele sorriso para agradar o professor. Mas a maioria dos alunos olhavam para frente, mantendo uma concentração diligente. Músculos do pescoço rígidos. Nenhum sinal de um sorriso, ou de ideias, ou mesmo de dúvidas. Cada fibra tensionada para uma tarefa. Para diminuir a tensão, eu fui até o quadro-negro e escrevi com letras grandes:

“FORÇA PELA DISCIPLINA”

Abaixo, escrevi a segunda lei.

“FORÇA PELA COMUNIDADE”

Enquanto a turma mantinha um silêncio austero, dei um sermão sobre o valor da comunidade. A essa altura do campeonato eu estava num debate interno se deveria parar a experiência, ou continuá-la. Eu não esperava tamanha intensidade e conformidade. Na verdade, estava surpreso de que as ideias sobre disciplina tinham funcionado. Pensava nisso enquanto falava sobre comunidade. Inventei algumas histórias de minhas experiências como atleta, treinador e historiador. Era fácil. Comunidade é aquele laço entre indivíduos que trabalham e vivem juntos. É o ato de construir um celeiro com seus vizinhos, é a sensação de que você é a parte de alguma coisa além, um movimento, um time, uma raça, uma causa.

Era tarde demais para recuar. Consigo entender como os astrônomos passam tanto tempo na frente de um telescópio. Eu adentrava cada vez mais as minhas próprias percepções sobre as motivações para ação em individuais e em grupo. Havia muito mais para se ver e entender. Muitas questões me assombravam. Por que os estudantes aceitavam a autoridade que eu impunha? Onde estava sua curiosidade, sua resistência a esse comportamento militar? Quando e onde isso iria acabar?

Seguindo o sermão, eu novamente disse para a turma que comunidade, como disciplina, tinha que ser experimentada para ser entendida. Para possibilitar isso, eu fiz a turma recitar em uníssono “Força pela Disciplina”, “Força pela Comunidade”. Primeiro eu pedi para dois estudantes levantarem e recitar o lema. Depois adicionei mais dois, e mais dois até que todos estavam recitando. Foi divertido. Os alunos começaram a olhar uns para os outros e sentir uma força de pertencimento. Todo mundo era capaz e igual. Eles estavam fazendo alguma coisa juntos. Nós fizemos esse exercício em todo o período de aula. Repetimos o lema em coro, em várias alturas. Sempre os dizíamos juntos, enfatizando a melhor maneira de se sentar, ficar de pé, e falar.

E eu comecei a me sentir parte da experiência. Eu gostava da unidade que os alunos demonstravam. Era recompensador ver sua satisfação e seu entusiasmo. Estava ficando difícil me afastar do movimento e da identidade que a turma estava criando. Eu era um seguidor do grupo na mesma medida em que era o seu diretor.

Assim que a aula estava terminando, sem nenhum planejamento, eu criei uma saudação para a turma. Uma só para os membros da turma. Para fazer a saudação, você colocava a sua mão direita na direção do ombro direito, em uma posição curva. Eu chamei de saudação da Terceira Onda, porque a mão parecia uma onda quebrando. A ideia do Terceiro me veio daquele ditado de praia, de que ondas viajam em sequências, com a terceira onda sendo a última e maior da série. Já que tínhamos uma saudação, eu criei uma regra que todos deveriam se saudar fora da classe. Quando o sinal soou, terminando o período, eu pedi silêncio para a classe. Com todos sentados e atentos, eu lentamente levantei o meu braço com a mão curvada e os saudei. Foi um sinal silencioso de reconhecimento. Alguma coisa especial aconteceu, e, sem nenhum comando, o grupo de alunos retornou a saudação.

Pelos próximos dias, os alunos usaram a saudação. Você estaria andando pelo hall quando, do nada, três alunos fariam rapidamente o gesto uns para os outros. Na biblioteca, ou no ginásio, alunos faziam esse estranho gesto. Você ouviria uma batida de bandejas na cafeteria apenas para ver dois colegas se saudando. A mística de trinta indivíduos fazendo esse estranho ritual logo trouxe mais atenção para a classe e sua experiência sobre a personalidade alemã. Vários alunos de outras turmas pediram para participar.

Força pela Ação

Na quarta-feira, decidi distribuir cartões de participante para cada aluno que quisesse continuar com o que eu agora chamava de A Experiência. Nem um único aluno quis sair dela. Foi nesse terceiro dia da atividade haviam quarenta e três alunos na classe. Treze estavam faltando suas aulas para fazer parte da experiência. Enquanto a turma sentava com atenção, eu dei um cartão para cada. Três cartões foram marcados com um X vermelho e avisei que eles continham a tarefa especial de delatar qualquer aluno que não seguisse as regras da turma. Então comecei a falar mais sobre o sentido da ação. Expliquei como disciplina e comunidade não eram nada sem ação. Discursei sobre a beleza de tomar uma completa responsabilidade por suas ações. De acreditar tanto em você e en sua comunidade ou família que você fará qualquer coisa para preservar, proteger e aumentá-la. Eu reforcei como o trabalho duro e a aliança os ajudaria a aprender e alcançar mais. Lembrei os estudantes de como eram as classes onde competição causava dor e degradação. Situações em que os eles eram colocados uns contra os outros, seja no ginásio, seja na leitura. O sentimento de não ser parte de nada, de não ter ninguém.

Então, sem que eu pedisse, os alunos começaram a se levantar e a darem depoimentos.

-“Sr. Jones, pela primeira vez eu estou aprendendo um monte de coisas”

-“Sr. Jones, porque você não ensina assim o tempo todo?”

Eu fiquei chocado! Sim, eu estava lhes ensinando em um ambiente extremamente controlador, e o fato de que eles se sentiam confortáveis com isso e aceitavam me era surpreendente. Também, era desconcertante ver como um dever de casa complexo e demorado, uma redação sobre a vida alemã, não só tinha sido feito, mas também tinha sido aumentada por alguns alunos. Performance em áreas acadêmicas estava aumentando significativamente. Eles estavam aprendendo mais. E eles pareciam querer mais. Comecei a achar que os alunos poderiam fazer qualquer coisa que eu pedisse. E decidi descobrir se isso era verdade.

Para fazer os alunos terem a experiência da ação dirigida, dei verbalmente, a cada um deles, uma tarefa específica: “Você tem que desenhar a Bandeira da Terceira Onda. Você é responsável por guardar a sala e não deixar que nenhum aluno que não seja da Terceira Onda entre. Eu quero que você seja capaz de lembrar e recitar o nome e endereço de cada membro da Terceira Onda amanhã. Você tem como problema ir à escola aqui do lado e convencer vinte crianças a usarem uma melhor postura sentada, para melhor aprendizagem. É o seu trabalho ler esse panfleto e contar para a turma o seu conteúdo antes que o período acabe. Eu quero que cada um de vocês me deem o nome e endereço de um amigo confiável, que possa querer se juntar à Terceira Onda.”…

E para concluir a aula sobre ação, eu instruí os alunos em um procedimento de iniciação para novos membros. Era algo assim, um novo membro só poderia ser recomendado por um membro já existente, e teria que receber uma carta dada por mim. Recebendo a carta, o novo membro tinha que demonstrar conhecimento das nossas regras e jurar obediência a elas. Meu anúncio foi recebido com fervor.

A escola tinha se energizado, estava cheia de curiosidade e de várias conjecturas. Todo mundo estava afetado. O cozinheiro da escola me perguntou como era um biscoito da Terceira Onda. Eu respondi, claro, que era um com gotas de chocolate. Nosso diretor veio a reunião dos professores de tarde e me de fez a saudação da Terceira Onda. Eu o saudei de volta. A bibliotecária me agradeceu pelo banner de um metro sobre aprendizagem que ela tinha colocado acima da entrada da biblioteca. Ao final do dia, duzentos alunos tinham entrado na ordem. Eu me sentia muito sozinho e um pouco assustado.

Boa maior parte dos meus medos se manifestavam no número de delações. Apesar de eu ter designado formalmente apenas três alunos para relatar comportamentos fora do padrão, cerca de vinte alunos vieram me avisar como Allan não tinha feito a saudação, ou como Georgine estava criticando nossa experiência. Esta incidência de vigilância significava que metade da turma achava que deveria observar e reportar o comportamento da turma. Dessa avalanche de delações, parecia haver uma conspiração legítima em andamento…

Três alunas da turma contaram aos seus pais sobre as atividades. Essas eram as três alunas mais inteligentes da turma. Como amigas, formavam um grupo e se mantinham juntas. Elas tinham uma confiança silenciosa e adoravam o ambiente escolar que lhes dava oportunidades acadêmicas e de liderança. Durante os dias da experiência, eu fiquei muito curioso como elas responderiam ao remodelamento físico igualitarista da classe. As recompensas que elas estavam acostumadas a ganhar não existiam mais. As habilidades intelectuais de questionar e raciocinar não eram aplicadas. Na atmosfera marcial da turma, elas pareciam atordoadas e pensativas. Hoje, quando lembro, elas me parecem como as crianças com as chamadas dificuldades de aprendizagem. Assistiam as atividades e participavam de um modo mecânico. Onde os outros se atiravam, elas se mantinham reservadas, observando.

Ao contar para os seus pais sobre a experiência, elas iniciaram uma breve série de acontecimentos. O rabino de uma família ligou para minha casa. Ele foi bastante tolerante e educado. Eu lhe contei que estávamos meramente estudando a personalidade alemã. Ele pareceu encantado e me disse para não se preocupar, iria conversar com os pais e acalmar suas preocupações. Depois da conversa, eu pensei nas conversas semelhantes que devem ter ocorrido na história, com o clero aceitando e se desculpando por condições indefensáveis. Se ao menos ele tivesse se enfurecido, ou tivesse investigado a situação, eu poderia usá-lo como um exemplo de rebeldia justa. Mas não. O rabino se tornou parte daquilo e, ao se alienar da opressão que estava acontecendo, se tornou cúmplice e advogado da experiência.

Ao fim do terceiro dia eu estava exausto. Estava cedendo pela pressão. O equilíbrio entre o fingimento e o comportamento dirigido se tornou invisível. Muitos alunos estavam completamente envolvidos pela Terceira Onda. Eles exigiam obediência estrita das regras pelos outros alunos e importunavam aqueles que não levavam a experiência a sério. Outros simplesmente se enterravam na atividade e tomavam seus papéis. Destes eu me lembro particularmente do Robert.

Robert era grande para sua idade, e tinha poucas habilidades acadêmicas. Ele se esforçava, mais do que qualquer aluno que eu conheci, para ser bem-sucedido. Ele entregava longos relatórios semanais copiados palavra por palavra dos livros da biblioteca. Robert, como muitas outras crianças da escola, não se sobressaía, nem causava problemas. Daqueles que não são brilhantes, não são atléticos, e não chamam a atenção. São os esquecidos, invisíveis. A única razão pela qual eu o conhecia era porque o tinha encontrado almoçando na sala de aula. Ele sempre almoçava sozinho.

Bem, a Terceira Onda abriu um lugar na escola para Robert. Ao menos ele se tornou igual aos outros. Ele podia fazer alguma coisa. Tomar parte. Ter sentido. E é o que ele fez. Ao final daquela tarde de quarta-feira, vi que ele estava me seguindo e lhe perguntei o que estava fazendo. Ele sorriu (acho que foi a primeira vez que o vi sorrir) e anunciou:

– “Sr. Jones, sou seu guarda-costas. Tenho medo que alguma coisa possa acontecer com o senhor. Posso, sr. Jones? Por favor.”

Não pude dizer não para aquela confiança e aquele sorriso. Eu tinha um guarda-costas. Durante todo o dia ele iria abrir e fechar as portas para mim. Caminhava sempre a minha direita. Apenas sorrindo e saudando os colegas da turma. Ele me seguia em todo lugar. Na sala dos professores (onde alunos não podem entrar) ele ficou em silêncio, em sentido, enquanto eu tomava um pouco de café. Quando um professor de inglês lhe disse que alunos não podiam entrar na sala, ele lhe respondeu que não era um aluno. Era um guarda-costas.

Força pelo Orgulho

Na quinta-feira, comecei a levar a experiência para sua conclusão. Estava exausto e preocupado. Muitos alunos estavam no limite. A Terceira Onda se tornou o centro de sua existência. E eu estava bem mal. Agora agia instintivamente como um ditador. Ah, eu era benevolente! E diariamente eu discutia comigo mesmo sobre os benefícios dessa experiência pedagógica. Só que no quarto dia da experiência, eu estava perdendo para os meus próprios argumentos. Quanto mais tempo eu seguia o papel, menos tempo eu tinha para lembrar sua razão original e o seu propósito. Eu me via assumindo o papel mesmo quando não era necessário, e me perguntei se isso não é o que acontece com muita gente. Nós tomamos ou recebemos uma certa função e entortamos nossas vidas para nos encaixar nessa imagem. Logo aquela imagem é a única identidade que as pessoas vão aceitar. Então nos tornamos essa imagem. O problema com a situação que eu tinha criado era que eu não tinha tempo pra imaginar aonde ela estava me levando. Eu era esmagado pelos eventos. Me preocupava se os alunos não estavam fazendo algo que iriam se arrepender depois. Eu me preocupava com o que ia acontecer comigo.

Mais uma vez eu lutava com meus pensamentos, se eu deveria terminar a experiência ou deixar que ela seguisse seu curso. Ambas opções eram impraticáveis. Se eu terminasse a experiência, muitos alunos ficariam no vácuo. Eles se comprometeram junto aos seus pares a um comportamento radical. Haviam se exposto emocionalmente e psicologicamente. Se eu os jogasse de volta à realidade da sala de aula eu teria alunos confusos pelo resto do ano. Seria muito doloroso e humilhante para Robert e os outros serem retorcidos de volta à classe enquanto eu dissesse que tudo tinha sido só um jogo. Eles se sentiriam ridicularizados pelos alunos brilhantes que participaram de uma forma comedida e cuidadosa. Eu não podia deixar os Roberts levarem a pior.

A opção de deixar a experiência seguir os seus rumos obviamente também estava fora de questão. As coisas já estavam saindo do controle. Quarta-feira alguém tinha invadido minha sala e revirado o lugar. Depois descobri que tinha sido o pai de um dos alunos. Ele era um coronel aposentado da força aérea que passou um período como prisioneiro de guerra em um campo alemão. Assim que ele ouviu sobre a atividade, simplesmente perdeu a cabeça e, de noite, invadiu a sala e a revirou. Eu o vi na manhã seguinte, encostado na porta da sala de aula. Ele me contou sobre seus amigos que tinham sido mortos na Alemanha, enquanto tremia e me segurava. Com a voz trêmula, me implorou que eu entendesse isso e que o ajudasse a voltar para casa. Eu chamei sua esposa e, com a ajuda de um vizinho, caminhei com ele até sua casa. Conversamos por horas sobre o que ele fez e sentiu, mas daquele momento em diante, daquela quinta-feira de manhã em diante, fiquei preocupado com o que poderia estar acontecendo na escola.

Eu estava cada vez mais preocupado em como a nossa atividade estava afetando os professores e os outros alunos da escola. A Terceira Onda estava interferindo com a normalidade. Alunos estavam faltando suas aulas para participar e os conselheiros da escola estavam começando a interrogar a turma. A Gestapo da escola se movia. Vendo que o experimento estava se explodindo, se espalhando por uma centena de direções diferentes, decidi tentar uma velha estratégia do basquete. Quando você está jogando contra todas as chances, a melhor ação é tentar o imprevisível. E foi o que eu fiz.

Na quinta-feira, a turma havia aumentado para oitenta alunos. A única coisa que permitia que todos entrassem na sala era a disciplina de se sentar em um silêncio atento. Você se sente afetado por uma estranha calma quando uma sala cheia de pessoas está te observando quieta, te esperando. Aquilo me ajudou a tomar uma abordagem deliberada. Eu falei sobre orgulho.

– “Orgulho é mais importante que bandeiras e saudações. Orgulho é algo que ninguém pode tirar de você. Orgulho é saber que você é o melhor. E isso não pode ser destruído.”

No meio dessa crescente eu subitamente mudei e abaixei minha voz para anunciar a verdadeira razão para a Terceira Onda. Em um tom lento e metódico, disse o que estava por trás da terceira Onda: “A Terceira Onda não é só uma experiência, uma atividade em sala de aula. É muito mais importante que isso. A Terceira Onda é um programa nacional para encontrar alunos que estão dispostos a lutar por mudanças políticas neste país. É isso. Essa atividade que nós fizemos foi uma prática para o que irá acontecer. Pelo país, professores como eu estiveram recrutando e treinando uma brigada de jovens capazes de mostrar a nação uma sociedade melhor por meio da disciplina, comunidade, orgulho e ação. Nós podemos mudar a maneira como essa escola funciona, podemos mudar a forma como as fábricas, as lojas, as universidades e todas as outras instituições funcionam. Vocês são um grupo seleto de jovens escolhidos para ajudar essa causa. Se vocês se erguerem e mostrarem o que aprenderam nos últimos quatro dias… Podemos mudar o destino dessa nação. Nós podemos trazer um novo sentimento de ordem, comunidade, orgulho e ação. Um novo propósito. Tudo depende de vocês e sua vontade de se posicionarem”.

Para dar ainda mais peso a seriedade de minhas palavras, me virei para as três alunas que eu sabia que tinham questionado a Terceira Onda. Eu lhes mandei sair da sala de aula. Expliquei o porquê e designei quatro “guardas” para levá-las para a biblioteca e impedi-las de entrar na sala. Então, num gesto dramático, eu anunciei a turma de um comício que seria realizado na sexta-feira ao meio-dia. Seria um comício para membros da Terceira Onda.

Era uma jogada arriscada, mas continuei falando. Tinha medo que se eu parasse alguém iria rir ou perguntar alguma coisa e esse grande esquema viraria um caos. Eu expliquei como na sexta-feira, ao meio-dia, um candidato à presidência iria anuncia a formação do Programa da Juventude da Terceira Onda. Ao mesmo tempo, cerca de mil grupos de jovens de várias partes do país se levantariam e demonstrariam suporte ao movimento. Eu lhes disse que eles eram os alunos escolhidos para representar nossa região. Também perguntei se eles poderiam fazer uma boa demonstração, porque a imprensa havia sido convidada para o momento. Ninguém riu. Não houve um pio, um gesto de resistência. Pelo contrário. Uma excitação febril se espalhou pela sala.

-“Nós podemos fazê-lo!”

-“Devemos vestir camisas brancas?”

-“Podemos trazer amigos?”

-“Sr. Jones, você viu esse anúncio na revista Time?”

Aquele momento decisivo veio por acidente. Era um anúncio colorido de uma página inteira na Time sobre produtos de madeira. O anunciante identificava seu produto como a Terceira Onda, proclamando em grandes letras vermelhas, brancas e azuis: “A Terceira Onda está Vindo!”.

– “Isso faz parte da campanha, sr. Jones?” – “É um código?”

– “Sim! Agora escutem com cuidado:”

– “Está tudo pronto para amanhã. Estejam no pequeno auditório dez minutos antes das 12:00. Estejam sentados. Estejam prontos para mostrar a disciplina, a comunidade e o orgulho que vocês aprenderam. Não falem com ninguém sobre isso. O comício é apenas para membros.”

Força pela Compreensão

Na sexta-feira, o dia final do exercício, eu passei a manhã preparando o auditório para o comício. As onze e meia, trinta alunos começaram a entrar como formigas, primeiro uns poucos explorando, e depois vários enfileirados. As filas se preenchiam uma depois da outra. Um silêncio abafado envolvia o local. Bandeiras da Terceira Onda estavam penduradas como sombras sobre o palco. Ao meio dia em ponto, eu fechei a sala e coloquei guardas em cada porta. Vários amigos meus fingiam ser repórteres e fotógrafos, e interagiam coma multidão, tirando fotos e freneticamente tomando notas descritivas. Tiramos uma fotografia do grupo. Cerca de duzentos alunos se apertavam ali. Não havia um único assento vago. O grupo parecia ser composto de estudantes de várias tipos. Haviam os atletas, os socialmente proeminentes, os líderes estudantis, os solitários, o grupo que sempre saía da escola mais cedo, os motoqueiros, os pseudo-hippies, uns poucos representantes do grupo de dadaístas da escola, e alguns que eram conhecidos por se reunir na lavanderia. Aquele grupo parecia uma única força, sentados com a Posição Sentada de Atenção. Cada pessoa se focava na TV que eu tinha trazido. Ninguém se movia. A sala estava sem nenhum som. Era como se todos estivéssemos presenciando um parto. Tensão e antecipação estavam além do que se pode imaginar.

– “Antes de sintonizar na conferência nacional, que começa em cinco minutos, eu quero demonstrar aos jornalistas a extensão do nosso treinamento.”

E com isso, lhes dei a saudação que foi respondida, automaticamente, por duzentos braços golpeando uma resposta. Então eu recitei “Força pela Disciplina”, e um coro me respondeu. Nós fizemos isso de novo e de novo. Cada vez a resposta era mais alta. Os fotógrafos estavam em um círculo ao redor do ritual, mas eram ignorados. Eu reiterei a importância do evento e, mais uma vez, pedi que demonstrassem seu compromisso. Seria a última vez que eu pediria para alguém recitar aquilo. A sala estremeceu com um grito gutural: “FORÇA PELA DISCIPLINA!”.

Era 12:05. Eu apaguei as luzes e caminhei até a televisão. O ar na sala parecia secar. Parecia ser difícil respirar e ainda mais difícil falar. Era como se o clamor daquelas almas que gritavam tivesse esvaziado a atmosfera da sala. Eu liguei a televisão. Estava do lado dela, olhando diretamente para a sala cheia de pessoas. A máquina veio à vida, produzindo um campo luminoso de luz de fósforo. Robert estava do meu lado. Eu lhe sussurrei para observar cuidadosamente e prestar atenção nos próximos minutos. A única luz da sala vinha da televisão, e ela se projetava nos rostos pela sala. Olhos se tensionavam, focavam-se na luz, mas o padrão não mudou. A sala se mantinha imóvel, quase morbidamente. Esperando. Havia um cabo de guerra mental entre os alunos e a televisão. E a televisão ganhou. O brilho branco do ruído não se conformou na visão de um candidato político. Só continuava a chiar. Ainda assim, eles persistiam. Tinha que ter um programa. Deveria estar vindo. Onde estaria? O transe com a televisão continuou pelo que pareceram horas. Eram 12:07. Nada. Um campo em branco da estática. Nada ia acontecer. Antecipação se transformou em ansiedade, e depois frustração. Alguém se levantou e gritou.

– “Não tem nenhum líder, né?”. E todos se viraram em choque. Primeiro para o aluno abatido, depois para a televisão. Em suas faces uma expressão incrédula.

Na confusão do momento, eu lentamente me movi para a televisão. Desliguei. Senti o ar fluir para dentro da sala. E a sala permanecia em um silêncio fixo, mas pela primeira vez podia sentir as pessoas respirando. Alunos estavam tirando seus braços de trás das cadeiras. Eu esperava uma torrente de perguntas, mas recebi uma intensa quietude. Eu comecei a falar. Cada palavra parecia ser absorvida por eles.

– “Escutem com cuidado, eu tenho uma coisa importante para lhes falar.” – “Sentem-se!”. – “Não há líder! Não há um movimento nacional da juventude chamado de Terceira Onda. Vocês foram usados. Manipulados. Trazidos pelos seus próprios desejos para este lugar. Vocês não são melhores, nem piores, que os alemães nazistas que estávamos estudando”.

“Vocês acharam que tinham sido eleitos. Que eram melhores do que os outros fora dessa sala. Vocês trocaram sua liberdade pelo conforto da disciplina e superioridade. Vocês escolheram aceitar a vontade do grupo e essa grande mentira ao invés de suas convicções. Ah, vocês acharam que estavam apenas se divertindo. Que vocês podiam se livrar disso a qualquer momento. Mas aonde estavam indo? Até aonde teriam ido? Deixem-me mostrar o seu futuro.”

Então liguei o projetor de tela. Ele rapidamente iluminou o pano branco pendurado atrás da televisão. Uma contagem regressiva com grandes números. Aparece o furor do Comício de Nuremberg. Meu coração batia. As imagens fantasmagóricas do Terceiro Reich desfilavam na sala. A disciplina. A marcha da raça superior. A grande mentira. Arrogância, violência, terror. Pessoas empurradas em vagões. O fedor visual dos campos de extermínio. Faces sem olhos. Os julgamentos. O apelo à ignorância. “Eu estava apenas cumprindo meu trabalho! Meu trabalho”. Tão abruptamente quanto começou, o filme terminou, congelando em uma única frase. “Todos precisam aceitar a culpa. Ninguém pode alegar que, de alguma forma, não participou daquilo.”

O auditório se manteve no escuro com o fim, enquanto o filme batia contra o projetor. Eu me sentia mal do estômago. A sala inteira suava e cheirava como um vestiário. Ninguém se movia. Foi como se todos quisessem dissecar o momento, entender o que acabara de acontecer. Como se acordasse de um sono profundo, a turma inteira olhava uma última vez para sua própria consciência. Eu esperei vários minutos até que todos se recuperassem. Finalmente perguntas começaram a surgir. Todas tocavam em uma situação imaginária, buscavam descobrir o significado deste evento.

Na sala ainda escura eu comecei a explicar. Confessei o meu remorso e o meu mal-estar. Disse aos alunos que a explicação seria um pouco longa. Só que para começar, eu me senti saindo da posição de um participante introspectivo para o papel de um professor. É mais fácil ser um professor. Comecei a explicar os últimos eventos objetivamente.

– “Pela experiência da última semana nós todos experimentamos como foi viver e agir na Alemanha nazista. Vimos como é criar um ambiente social disciplinado. Construir uma sociedade especial. Juramos aliança àquela sociedade. Trocamos a razão pelas regras. Sim, nós todos teríamos sido bons alemães. Nós teríamos posto nossos uniformes. Olhado para o lado enquanto nossos amigos e vizinhos eram amaldiçoados e perseguidos. Trancado as portas. Trabalhado em instalações de “defesa”. Queimado livros. Sim, nós conhecemos uma pequena parte do que é se sentir um herói. Pegar a solução rápida. Se sentir forte e no controle do seu destino. Sentimos o medo de sermos deixado para fora. O prazer de se fazer as coisas da maneira certa e sermos recompensados por isso. Como ser o número um. Como ser o certo. Vimos o que acontece e talvez vivenciamos a conclusão dessas ações levadas ao extremo. Nós todos testemunhamos alguma coisa nessa última semana. Nós vimos que o fascismo não é só uma coisa que aquelas outras pessoas fizeram. Não. Está aqui. Nesta sala. Nos nossos hábitos pessoais e no nosso modo de vida. Arranhe a superfície e ele está ali embaixo. É algo em todos nós. Nós o carregamos como uma doença. É a crença que a humanidade é má e incapaz de agir pelo bem dos outros. Uma crença que exige um líder forte e disciplina para preservar a ordem social. E há algo a mais. O ato de pedir desculpas.”

– “Esta é a última lição da experiência, e ela é a de maior importância. Essa lição responde a questão que nos levou a mergulhar nos estudos sobre a vida nazista. Vocês se lembram dela? Era sobre a perplexidade da população alemã, que dizia ignorar e não ter se envolvido no movimento nazista. Se eu lembro a pergunta, era algo assim. Como pode o soldado alemão, o professor, o condutor de ferrovias, a enfermeira, o cobrador de impostos, o cidadão comum, afirmarem ao final do terceiro Reich que eles não sabiam de nada do que estava acontecendo? Como as pessoas podiam tomar parte em alguma coisa e depois dizer que não estiveram realmente envolvidos? O que faz as pessoas apagarem sua própria história? Nos próximos minutos, talvez nos próximos anos, vocês poderão responder essa pergunta.”

Se nossa atuação da mentalidade fascista está completa, então nenhum de vocês jamais vai admitir ter participado deste último comício da Terceira Onda. Como os alemães, vocês terão problemas em admitir para si mesmos que foram tão longe. Vocês não vão deixar que seus amigos e parentes saibam que vocês estavam prontos a trocar sua liberdade e seu poder individual pelos mandos de uma ordem e líderes invisíveis. Vocês não irão admitir que foram manipulados. Que foram partidários. Que aceitaram o modo de vida da Terceira Onda. Vocês não vão admitir que participaram dessa loucura, e vão manter esse comício um segredo. É um segredo que eu divido com vocês”.

Eu tirei o filme das três câmeras e os expus à luz, destruí a celuloide. Concluímos a tarefa. O julgamento acabou. A Terceira Onda acabou. Eu olhei por cima do meu ombro. Robert estava chorando. Alunos lentamente se levantavam de suas cadeiras e, sem palavras, saíam pela porta para a luz. Eu caminhei até Robert e lhe dei um abraço. Ele soluçava, tomando grandes goles de ar.

– “Acabou!”

– “Está tudo bem.”

Enquanto o consolava, nos tornamos uma rocha na corrente dos alunos. Alguns giraram para rapidamente abraçar Robert e eu. Outros choravam e limpavam os olhos antes de seguir adiante. Seres humanos circulando e se abraçando, se movendo em direção a porta e ao mundo lá fora.

Vivemos juntos aquela semana no meio do ano escolar. E, como previsto, dividimos um segredo profundo. Nos quatro anos que eu ensinei na Cubberly High School, ninguém jamais admitiu ter participado do Comício da Terceira Onda. Claro, conversamos e debatemos bastante sobre a experiência, mas nunca sobre o comício. Não. Era algo que todos queríamos esquecer.

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